sábado, outubro 28, 2006

A actualidade de Eça de Queirós

O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce… O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um inimigo.
De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País.
Não é uma existência, é uma expiação.
E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: «O País está perdido!» Ninguém se ilude. Todas as consciências certificam a podridão; mas todos os temperamentos se dão bem na podridão.
Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre, 1871

1 comentário:

  1. então mas este texto não foi proibido (CENSURADO!)aí por volta de 1972 ou 1973...!
    .........!...........

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