terça-feira, janeiro 16, 2007

Fala do Embrião

Todos eles estão lá para me proteger: a Igreja, o Estado, os médicos e os juízes.
Querem que eu cresça e medre; querem que eu durma o meu soninho de nove meses, que me trate como deve ser — tudo para meu bem. Eles tomam conta de mim. Velam por mim. Ai dos meus pais, se me fazem alguma coisa; caem-lhes logo todos em cima. Quem me tocar será castigado; a minha mãe vai logo parar à cadeia e o meu pai vai-lhe fazer companhia; o médico que fez o serviço é obrigado a deixar de ser médico; a parteira que deu uma ajuda vai presa — é que eu sou uma preciosidade.
Todos eles estão lá para me proteger: a Igreja, o Estado, os médicos e os juízes.
Durante nove meses.
Mas, passados estes nove meses, sou eu que tenho que olhar pela minha vida.
Tuberculose? Não há médico que me valha. Nada que comer? Nem leite? — Não há Estado que me valha. Tormentos e amargura? A Igreja consola-me, mas não é com isso que eu encho a barriga. E se não tenho uma côdea de pão para roer e caio em roubar: está lá logo um juiz para me mandar prender.
Durante cinquenta anos, ninguém mexe um dedo por minha causa, ninguém. Tenho que me haver sozinho.
Durante nove meses, matam-se todos, se alguém me quer matar. E agora dizei lá:
Não é uma protecção estranha, esta?

Kurt Tucholsky, Hoje Entre Ontem e Amanhã, 1931

1 comentário:

  1. Palavras sensatas ...!
    È um ditado calão português que diz:

    "Fia-te na virgem e não corras ...!"

    Bjks da matilde e cª!

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