segunda-feira, março 08, 2010

A criação da mulher

Deus tomou a redondeza da Lua e a ondulação da serpente; o entrelaçamento da trepadeira e o tremer da erva; a elegância do caniço e a frescura da rosa; a ligeireza da folha e o aveludado do pêssego; o olhar lânguido da corça e a inconstância da brisa; o pranto da nuvem e a alegria do Sol; a timidez da lebre e a vaidade do pavão; a doçura da penugem que guarnece a garganta dos pássaros e a dureza do diamante; o sabor doce do mel e a crueldade do tigre; o gelo da neve e o calor do fogo; o cacarejar do galo e o arrulho da rola. Misturou tudo isto e fez a mulher. Era grandiosa e sedutora. E, achando-a mais bela do que a íbis e a gazela, Deus orgulhoso da sua obra, admirou-a e deu-a como presente ao homem.
Oito dias depois, o homem, bastante confuso, procurou Deus e disse-lhe: “Senhor a criatura que me ofereceste envenena a minha existência; tagarela sem parar, lamenta-se a propósito de tudo, chora e ri ao mesmo tempo, é inquieta, exigente e melindrosa; está sempre a importunar-me e não me dá um instante de sossego. Suplico-te, Senhor, chama-a de volta para ti, pois não posso viver com ela”.
E Deus, paternalmente, retomou a mulher.
Mas passados oito dias, o homem voltou a procurar Deus: “ Senhor, a minha vida está muito solitária, desde que te restituí aquela criatura. Ela cantava e dançava à minha frente. Que suave expressão tinha quando me olhava de lado, sem voltar a cabeça. Brincava comigo! E não há fruto mais delicioso, de nenhuma árvore, que se compare às suas carícias! Imploro que ma devolvas. Não posso viver sem ela!”
E Deus devolveu-lhe a mulher.
Passaram-se mais oito dias e Deus franziu o cenho, vendo surgir o homem que empurrava a mulher dizendo: “ Senhor, não sei como é que isto acontece, mas a verdade é que esta mulher dá-me mais aborrecimentos do que prazer. Fica com ela, que eu não a quero mais!”
A tais palavras, o Senhor disse-lhe: “Homem, regressa a tua casa com a tua companheira e aprende a suportá-la. Se eu a aceitasse de volta, daqui a oito dias virias outra vez importunar-me para a reaver. Vai e leva-a contigo.”
E o homem retirou-se murmurando: “Como eu sou infeliz! Duplamente infeliz, porque não posso viver com ela e não posso viver sem ela!”

(Lenda Hindu)

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